24/01/2022
O Estado brasileiro tem um histórico de autoritarismo e exceção. Durante décadas os brasileiros foram obrigados a viver sob um regime ditatorial. Mas houve quem se colocou à frente da luta pela democracia e, por isso, foi perseguido politicamente. Com a retomada da democratização, iniciou-se um processo parcial de memória, verdade e justiça. Conquistou-se reparação aos perseguidos políticos na ditadura civil-militar brasileira.
Se você foi perseguido, ou é parente próximo de perseguido, saiba quais direitos você pode exigir.
1) reconhecimento pelo Estado Brasileiro da condição de perseguido político
O reconhecimento pelo Estado de que você ou seu parente próximo foi perseguido político é, talvez, o mais importante direito. Com o reconhecimento, o perseguido receberá a condição de anistiado político. Além disso, é possível perceber uma reparação econômica em prestação pecuniária única ou mensal continuada, o tempo de perseguição contará para fins de aposentadoria, em alguns estados os tribunais considerarão o dano presumido, entre outras consequências. Também é assegurada a reintegração ao serviço público e até o reingresso em cursos de escola pública.
O reconhecimento poderá ocorrer pela via judicial ou administrativa. Com o governo Bolsonaro e sua defesa da ditadura a via administrativa estava, na prática, bloqueada. Com a mudança de governo e de orientação, espera-se, seja retomada uma política pública de reparação individual, mas também coletiva, enquanto um antídoto contra as ameaças recentes à democracia.
1.1) direito ao pagamento de retroativos
Caso o perseguido se enquadre nas hipóteses de pagamento de prestação mensal, terá direito a receber este valor retroativo aos últimos 5 anos do pedido.
1.2) revisão da aposentadoria
A depender do tipo de aposentadoria do anistiado, após o reconhecimento da perseguição política e, consequentemente, do tempo para fins do cálculo, pode ser o caso de pedir revisão do benefício.
2) danos morais
Sobretudo nos casos em que o perseguido político foi anistiado, é possível pedir danos morais pela perseguição. O Poder Judiciário já considerou ser cabível cumular a prestação única ou mensal continuada com a indenização por danos morais.
O Poder Judiciário decidiu recentemente que se trata de um direito imprescritível e que deverá retroagir até a data do fato. Assim, se, por exemplo, a perseguição começou em 1969, o perseguido terá direito a um determinado valor de danos morais, a ser mensurado pela extensão do dano, que deverá ser atualizado de 1969 até hoje. Em muitos casos o valor fica acima de R$500.000,00.
3) dano moral por ricochete
Trata-se de um dano moral específico também chamado de “dano moral reflexo”. Aqui são os familiares da vítima que indiretamente sofreram pelo evento danoso. Imagine um perseguido político que teve sua imagem e nome divulgado pelo regime militar. O cônjuge do perseguido também acabou sendo lesado em sua dignidade visto que foi considerado esposa/marido de um criminoso. Imagine um pai que foi exilado ou viveu na clandestinidade, longe da família. Os filhos não puderam conviver com o pai e isso gera direito a pedir indenização por danos morais (em alguns casos o Judiciário considera dano moral “em nome próprio”, em outros considera “dano moral por ricochete”). Também os casos dos filhos de exiliados, que precisaram abandonar o país natal e seus parentes para acompanhar seus pais perseguidos, são outro exemplo.
4) dano moral coletivo em face das empresas e entidades que eventualmente colaboraram com a perseguição
O regime militar brasileiro não foi apenas militar, mas civil-empresarial. Muitas empresas e entidades colaboraram com a perseguição. Daí que há um direito de pedir danos morais, coletivos ou individuais, em face de empresas e entidades que colaboraram com a ditadura.
5) revisional de retroativos
Caso a União tenha pago os retroativos da prestação mensal continuada (item 1.1 acima) de forma parcelada sem a incidência de juros e multa, é possível pleitear a revisional destes retroativos. Os tribunais superiores já consideraram que os retroativos deveriam ser pagos em parcela única, sob pena de incidir juros e multa.
6) revisional do valor da prestação mensal
A prestação mensal recebida pelo perseguido pode ser revista considerando parâmetros de mercado e incidência de dois vínculos.
Há ainda outras ações possíveis, mas que dependem de fatores mais específicos.
Importante destacar que o Poder Judiciário, através da Súmula 647 do STJ, já decidiu que são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de perseguição política na ditadura.
Também vale observar que mesmo que o perseguido já tenha falecido, ou esteja impossibilitado, familiares próximos poderão pedir em nome do perseguido os seus direitos.
Segundo Rodrigo Lentz, professor da Universidade de Brasília, sócio da Franco Grillo & Fogaça e especialista no tema, as ações de reparação são políticas públicas importantes para fomentar memória, verdade e justiça: “O Brasil só poderá avançar se fizer um acerto de contas profundo com seu passado e presente”.